Diante da rebelião frustrada na Unidade de Internação de São Sebastião (UISS), gostaríamos de propor um exercício de reflexão, para que possamos apresentar nosso posicionamento. Pedimos que, durante todo o tempo em que estiver lendo este texto, faça o esforço de esquecer suas crenças, seus valores e suas paixões. Sabemos que se trata de um assunto delicadíssimo do nosso cotidiano de trabalho que faz arrepiar até o último de nossos fios de cabelo. Como é apenas um exercício de imaginação (e não propriamente uma ação), acreditamos que, caso aceite essa proposta, você não estaria traindo seus princípios.
Primeiramente, imagine que você trabalha dentro de uma instituição que priva a liberdade de certas pessoas. Imagine que o objetivo do seu trabalho é manter a segurança e a ordem dessa instituição. Imagine que o número de trabalhadores desse local está longe de ser suficiente para alcançar esse objetivo – e que, por esse motivo, sua segurança e a de seus colegas esteja seriamente comprometida. Imagine que você será responsabilizado por qualquer situação que seja considerada institucionalmente indesejada; isso certamente tem efeitos sobre sua paz e tranquilidade interiores, quer aconteça uma situação crítica, ou não. Lugar difícil de ocupar, hein?!
Com esse cenário em mente, imagine que você já tentou se aproximar e estabelecer uma relação de confiança com uma das pessoas privadas de liberdade; e que, em determinada situação, essa pessoa passe por cima da confiança que estabeleceu com você e realize uma ação que te coloca em risco – como uma rebelião, por exemplo. Mesmo que isso não tenha acontecido com você, imagine que você tenha conhecimento de algumas vezes em que situações como essa aconteceram. Diante disso, responda esta pergunta intimamente: qual o conceito que você faria das pessoas que estão privadas de liberdade nessa instituição em que você trabalha?
Ainda despojado de suas crenças, seus valores e suas paixões, propomos que imagine outro cenário: você está privado de sua liberdade em uma instituição e que toda a sua rotina seja determinada por fatores que fogem à sua vontade. Imagine que você tem que ficar a maior parte de seu dia dentro de um recinto de poucos metros quadrados. Imagine que qualquer coisa que você queira ou precise fazer e que envolva sair desse recinto dependa da autorização de outra pessoa; e que seja difícil conseguir essa autorização. Situação, no mínimo, estressante, não?!
Bom, continuando nosso exercício criativo, imagine que, certo dia, você – ou qualquer outra pessoa que também esteja privada de liberdade – esteja muito estressado, e que para conseguir fazer algo fora do recinto onde você passa o dia tenha de mentir aos responsáveis por manter a ordem dessa instituição. Imagine que tenham descoberto essa (e outras) mentira(s), e que os responsáveis pela segurança do local estejam sempre desconfiados do que você fala. Imagine que, mesmo assim, você tenha desenvolvido uma relação de confiança e até certa afeição por uma das pessoas responsáveis pela segurança da instituição. Imagine que, ao mesmo tempo, você desenvolva certa aversão a essa pessoa que controla a sua liberdade e o seu direito de ir e vir – por mais que essa pessoa não tenha agido de forma a lhe prejudicar.
Por fim, imagine que o entediante transcorrer dos dias dentro de seu recinto sem fazer nada e em meio a conflitos com as outras pessoas que estão presas, e também com aquelas que cuidam da segurança da instituição, você desenvolva uma irresistível vontade de fugir. Imagine que, cegado por um desses malditos dias, você simplesmente passe por cima de qualquer sentimento de afeição e confiança, e faça uma tentativa de fuga violenta e fadada ao fracasso. Dada a delicadeza da situação para os servidores do Sistema Socioeducativo, acreditamos ter chegado ao clímax de nosso esforço reflexivo. Reiteramos gentilmente o pedido de que responda a pergunta que se segue, e agora, mais do que nunca, tentando deixar de fora de sua resposta suas crenças, seus valores e suas paixões: não é exatamente uma surpresa que isso aconteça, certo? Sobretudo levando em consideração o baixo efetivo de servidores, a falta de segurança e a impossibilidade de prestarmos um atendimento socioeducativo decente.
Propusemos essa reflexão, porque consideramos que qualquer posicionamento que apresentássemos sobre a tentativa de rebelião ocorrida na UISS na última sexta-feira (26/02/16), e que não levasse em conta esses pontos de vista correria o risco de ser injusto. A organização de nossa sociedade repousa sobre a responsabilidade pessoal de cada cidadão por suas ações; porém, é imprescindível que o Estado dê a seus cidadãos as condições mínimas de existência e de exercício profissional. Assim, uma Unidade de Internação tem de, necessariamente, prover um quadro suficiente de servidores(as), formação inicial e continuada, e também condições estruturais para que o cotidiano de trabalho não destrua a nossa saúde física e mental. Além disso, o Estado tem também de ofertar aos adolescentes um cotidiano que não seja tão aniquilador – o que, sem dúvidas, tem impactos sobre a segurança das Unidades de Internação. Sem isso, falar em socioeducação é e continuará sendo uma piada de muito mau gosto.
Este texto foi inspirado por uma experiência científica dos anos 70 nos Estados Unidos. Se você aderiu ao exercício reflexivo proposto, pode continuá-lo conhecendo essa experiência científica clicando aqui.
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